O que é um sabático? Pra que serve e o que você aprende com ele?
O que você faria se você tivesse sua agenda, ao invés da sua agenda ter você? Esse texto te ajuda a refletir como um sabático pode te ajudar a desenvolver essa habilidade.
Na virada de 2019 para 2020 eu decidi que iria tirar um período sabático. Essa decisão veio logo após o término de um grande ciclo da minha vida profissional: minha empresa (Plataformatec) foi comprada pela Nubank, 11 anos após termos fundado ela.
Foi algo muito bom, mas de repente eu me vi sem aquilo que me dava um grande sentido de vida. Sem aquele lugar de onde vinha muito da minha sensação de autorrealização e felicidade. Mas nem tudo é pra sempre na vida né? Se nem a vida é para sempre, quanto mais um emprego ou até sua própria empresa.
Pois bem, após o término dessa história, eu não sabia qual seria o novo capítulo que eu iria começar. Então resolvi tirar um sabático. Peguei minhas economias e me dei de presente o equivalente a 9 meses de tempo. Um investimento em mim mesmo.
Em 7 de março de 2020 comecei este sabático.
Mas logo vieram perguntas, inquietações, sentimentos agradáveis, sentimentos desagradáveis, aprendizados, entre outras coisas dessa experiência. Neste texto compartilho com você um pouco do que aprendi sobre a experiência de fazer um sabático.
Uma das primeiras perguntas que eu me fiz foi: "o que é um sabático?".
O que é um sabático?
Qual é a primeira ideia que vem na sua cabeça quando você pensa em sabático? Viajar pelo mundo? Ficar de boa? Lazer o dia inteiro? Essas são algumas das primeiras imagens que uma pessoa tem sobre um sabático. Porém não era isso que eu estava buscando.
Desde o começo eu tinha claro: "não estou tirando um sabático para ficar de férias". Férias e sabático não são necessariamente a mesma coisa. Então fui buscar entender o que seria um sabático pra mim.
Um dos usos do termo "sabático" acontece no mundo acadêmico. Em algumas universidades, a cada seis anos de trabalho a pessoa professora pode tirar um ano de período fora da sua rotina de trabalho. A ideia é que ela use esse tempo para auto-desenvolvimento, para poder por exemplo visitar outras universidades e depois voltar para sua universidade original e ajudá-la a continuar evoluindo.
Outra origem do termo vem da cultura judaica. O sabático seria o sétimo ano do ciclo de sete anos da agricultura, um tempo para o descanso da terra.
Essa ideia de descanso da terra fez sentido pra mim, principalmente ao se pensar no descanso como um período de regeneração. Às vezes um organismo precisa de um tempo para se regenerar para depois voltar a produzir. E às vezes depois de um período de regeneração, você não volta a ser o mesmo que era antes, você se transforma.
Sabático como um período de regeneração e transformação foi o que fez mais sentido pra mim. Essa perspectiva se solidificou enquanto eu lia o livro "O tempo da felicidade: Um sabático para repensar a vida, priorizar seus objetivos e se renovar". Esse livro tem algumas metáforas interessantes sobre esse processo de transição. Ele fala por exemplo de uma cobra, que de tempos em tempos precisa naturalmente trocar de pele. Fala também da lagarta, que passa um período "parado" em transformação, para depois se tornar uma borboleta.
Ok, essa ideia de sabático como descanso, regeneração e transformação faz sentido. Mas ainda fica muito abstrata, né? É fácil entender isso para a troca de pele da cobra, ou então a metamorfose da borboleta... mas e um ser humano... o que na prática uma pessoa pode ou deveria fazer em um sabático?
O que você pode fazer durante um sabático?
Aprender a viver com calma e ressignificar o conceito de tempo
O sabático é um misto de período de calma, tédio e oportunidade.
É um período de calma porque, talvez, pela primeira vez na vida não é a sua agenda que tem você, é você que tem a agenda. Até este momento existia uma agenda para você cumprir, ela que te guiava. Ir para escola. Ir para faculdade. Ir para o trabalho.
Mas como seria sua vida se por alguns meses, você não tivesse uma agenda para cumprir?
Primeiro vem um sentimento de calma. Você percebe que não era o mundo que estava acelerado, somos nós que estamos acelerando ele. Você agora pode pensar e agir com calma. Mas isso não é fácil, porque sua vida inteira você foi treinado para outra coisa: viver "na correria".
O paradoxo criado entre sua habilidade de viver na correria e a oportunidade de viver com calma te leva para um outro lugar: tédio.
Você estava acostumado a viver tudo muito rápido. Sua mente tem décadas de treinamento de "vida correria"! As metas mensais e trimestrais. A falta de tempo e energia para ligar para um amigo ou para fazer uma visita para sua família. Tudo para ontem! Quando alguém te perguntava como estavam as coisas, o que você falava? "Ta correria".
Daí quando você não tem mais uma agenda para cumprir, percebe que você não tem habilidade para decidir o que fazer com seu tempo o tempo inteiro. Você estava acostumado a decidir apenas o que faria com o seu "tempo livre". Você teve pouquíssimo treino na sua vida em decidir o que fazer com seu tempo, quando não existe uma agenda extrínseca que contenha você.
Algumas pessoas tentam preencher o tédio criado por essa abundância de tempo unicamente com lazer. Afinal, é isso que deve ser uma boa vida, né? Lazer o dia inteiro! Viajar, comer, beber, ver Netflix etc. O que te der prazer.
Apesar do lazer ser essencial e muito gostoso, talvez não seja bom viver o dia inteiro todo dia só de lazer. No extremo da ideia de prazer o tempo todo, imagina alguém tendo orgasmo o dia inteiro 100% do tempo?! Apesar de parecer atraente, acho que não é uma boa ideia.
Então o que fazer com esse tempo que você se deu, além de lazer?
Uma possível resposta: autoconhecimento.
Autoconhecimento
A grande maioria das suas atitudes até agora foi orientada por conhecer o mundo exterior. Entender como ele funciona, conseguir modificá-lo, causar um impacto nele. Seja através da escola, da faculdade ou do seu emprego, o direcionamento foi majoritariamente de conhecer, entender e mudar o mundo exterior.
Mas e quanto a conhecer e mudar você mesmo? Quem é você além do seu crachá? Quem é você de verdade, na sua essência?
Essas perguntas podem parecer bizarras, mas talvez porque você não tenha tido tempo suficiente para refletir sobre elas até então. O sabático é uma bela oportunidade para isso.
Apesar de existir um planeta em volta de nós, eu acredito que cada um carrega um universo dentro de si. Acontece que nem todos têm a curiosidade ou oportunidade para explorar esse espaço. Se você se der o presente do sabático, essa é sua chance. Mas como fazer isso?
Autoconhecimento através da escrita
Uma ferramenta básica, acessível e muito poderosa de autoconhecimento é escrever. Escrever para você mesmo. Pense que a escrita não precisa ser algo que você faz só depois que tem uma ideia bem formada sobre si. Mas sim um processo pelo qual você organiza suas ideias e se descobre a cada nova palavra.
Mas escrever sobre o que? Sobre o que você pensa. Sobre o que você deseja. Sobre seus medos, seus anseios, suas emoções e sentimentos.
Um exemplo próprio foi um texto que escrevi para responder a seguinte pergunta: "Ok, eu quero refazer o site da Elixir Radar... mas por que? Isso está alinhado com o que eu quero da vida? O que eu quero da vida?".
Escreva e deixe fluir. Não precisa publicar o texto, pode ser só para você.
Autoconhecimento através de ferramentas
Você pode também usar a ajuda de ferramentas para entender e conseguir articular quem você é. Estou falando daquelas ferramentas baseadas em questionários de auto-relato ou auto-percepção.
Talvez você já tenha usado alguma delas na sua empresa, ferramentas como DISC, MBTI, MEP. São ferramentas muito interessantes, e eu mesmo já usei algumas delas para mim, como o DISC e o MEP. Porém, quando usei essas ferramentas, era sobre autoconhecimento e desenvolvimento para o trabalho.
O que estou propondo aqui é usar ferramentas de autoconhecimento para você como um todo, inclusive fora do trabalho. Precisamos ter atenção para não limitar o ser humano a um trabalhador, essa é apenas uma (e importante) faceta de nós, mas existem várias outras.
Uma ferramenta que aprendi na pós-graduação de psicologia positiva e que achei sensacional se chama "virtudes e forças de caráter". Essa ferramenta foi criada a partir de uma pesquisa científica que buscou entender quais são as boas características dos seres humanos que geram uma sensação de bem estar e são valorizadas independente do tempo na história, da cultura ou da região.
Essa pesquisa foi feita por um time de 55 cientistas ao longo de 3 anos, e chegou em 24 forças de caráter (características) agrupadas em 6 virtudes:
A ferramenta para descobrir suas forças de caráter é online e gratuita. O conjunto das suas forças de caráter é algo que define você, sem elas, você não é você. Esse é um modo de descobrir sua essência.
O interessante em conseguir transformar esse autoconhecimento de tácito para explícito é que você pode começar a usar suas características e forças de novas maneiras. Por exemplo, imagine que você descobre que uma das suas forças de caráter é "curiosidade". Você reconhece isso em você: "sim, eu tenho muita curiosidade sobre as coisas, sobre o mundo, sobre como as coisas funcionam". Daí você pode refletir: Em quais aspectos da sua vida você mais tem usado essa força? Que tal usá-la em situações diferentes?
Se você tem curiosidade por conhecimento, poderia por exemplo usá-la também para desenvolver mais interesse pelas pessoas. Usar sua curiosidade para entrar em uma conversa e poder ouvir mais a outra pessoa, praticar escuta ativa. Usar sua curiosidade para descobrir um interesse genuíno em quem é a pessoa do outro lado, o que ela pensa, como ela se sente e como vocês se conectam.
Expandir sua identidade
Imagine que você está no meio de um sabático, você conhece uma pessoa e ela pede para você se apresentar. Como você se apresenta?
Se fosse antes do sabático, eu responderia: "Meu nome é Hugo, sou engenheiro". Ou: "Meu nome é Hugo, sou empreendedor". E por aí vai. O padrão entre essas respostas é que o modo como nos definimos para os outros é através do nosso trabalho, emprego ou cargo.
Acontece que isso não é só como nos apresentamos para os outros, é também a lente que usamos para ver a nós mesmos, nossa identidade. Talvez você não tenha parado para perceber que você está usando essa lente. Essa lente faz parte de você de tal modo, que você e a lente são uma unidade só. Usando as ideias do Robert Kegan, no seu livro sobre desenvolvimento adulto, o "The Evolving Self":
"Não é você que tem a lente, é a lente que tem você."
Talvez até esse momento da sua vida, não é você que tem um trabalho, é o trabalho que tem você. Ele é a sua identidade. É a partir da óptica do trabalho, da necessidade de produzir, que você vê o mundo.
Acontece que no sabático você tem tempo e chance para poder perceber que você está usando essa lente. Você pode refletir se você quer continuar usando ela, se não quer mais, ou em que momento que faz sentido usá-la. Descobrir que existem várias lentes possíveis para como você enxerga a si mesmo e o mundo.
Essa questão de rever sua identidade é algo profundo e leva tempo. Sobre esse assunto, eu recomendo alguns livros sobre desenvolvimento adulto, "The Evolving Self" e "Imunidade à mudança", ambos do psicólogo e professor de Harvard, Robert Kegan.
O que você pode aprender durante um período sabático?
Na escola você aprendeu sobre português, matemática, história, química, física etc. Na faculdade você continuou aprendendo sobre alguns desses temas, mas de modo mais profundo, mais especializado. Se você fez uma pós na sua área, se especializou ainda mais dentro dos mesmos temas.
Sabe qual um padrão comum nessa trilha de mais de 15 anos de estudo e aprendizado? Aprendizado de competências técnicas que te ajudam a conseguir um emprego, fazer dinheiro e ganhar status.
Você pode usar o seu sabático para avançar ainda mais nessa trilha. Mas, já que deu uma "pausa para respirar" de um modo um pouco mais amplo... que tal pensar sobre aprender outras coisas?
No livro "O curso do amor", o filósofo Alain de Botton traz uma provocação muito interessante. Ele fala algo como:
Nosso erro é supor que já nascemos sabendo amar e que, portanto, administrar um relacionamento deve ser fácil e intuitivo. Este livro parte de uma premissa diferente: o amor é uma habilidade a ser aprendida, não apenas uma emoção a ser sentida.
Assim como o amor romântico, existe uma série de outras questões importantes da nossa vida onde colocamos pouca energia para desenvolver de modo deliberado porque achamos que já fazemos saber naturalmente. Questões como:
- Como ter boas conversas?
- Como achar um trabalho que faça sentido?
- Como ser feliz?
Você alguma vez parou para desenvolver como ter boas conversas? Provavelmente não. Esse tipo de coisa a gente acha que sabe fazer de modo inato. A gente saiu fazendo e vem fazendo há tempos, então quer dizer que a gente já sabe fazer bem, né? Não necessariamente.
Um dos meus principais aprendizados durante o sabático foi sobre a ideia de abordar essas questões como habilidades que podem ser desenvolvidas, como temas que eu posso aprender mais e de modo deliberado.
Essa é uma perspectiva diferente, pois onde normalmente a gente investe tempo para se desenvolver? É mais comum que seja em algo relacionado a produzir, relacionado ao trabalho. Mas podemos colocar energia para ficar melhor em outros aspectos das nossas vidas também, outros aspectos que contribuem para sermos melhores pessoas, não só melhores profissionais.
Um desses aspectos pode ser aprender mais sobre como ser feliz. Esse foi um dos aspectos onde coloquei energia no meu sabático e vou compartilhar um pouco com você.
Aprender que existem vários modos de ser feliz
Quando se fala em felicidade, logo algumas pessoas pensam: "precisa ter dinheiro". De fato, dinheiro ajuda. Ajuda não porque vai gerar felicidade diretamente, mas permite eliminar coisas que te trariam tristeza. Ele facilita. Em até certa medida, o dinheiro pode ser condição necessária para a felicidade, mas não suficiente.
Você pode usar o dinheiro para ter o que comer. Ter uma casa. Ter conforto. Isso pode te trazer alguns prazeres e te ajudar a ter menos momentos de tristeza. Mas, a ausência de tristeza não quer dizer presença de felicidade.
No sabático aprendi que a felicidade já foi estudada por várias disciplinas. Conhecer um pouco mais delas me deu novas lentes para como enxergar felicidade. As duas que estudei um pouco foram filosofia e psicologia.
Felicidade segundo duas ópticas da filosofia
Na filosofia existem algumas linhas que tratam sobre felicidade. Entre elas, a linha hedônica e a linha eudaimônica.
A linha hedônica vem de Epicuro. Ele fala sobre experienciar a felicidade através da satisfação dos prazeres. Através de sentir emoções agradáveis. A ideia não é o prazer a qualquer custo e em excesso, pois o prazer de hoje não pode comprometer o prazer de amanhã, tem que ter equilíbrio. A ideia é desenvolver a capacidade de ter prazer nas pequenas coisas. Quem tem essa capacidade, consegue ser feliz em mais situações e é menos dependente do contexto externo.
A linha eudaimônica vem de Aristóteles. Ele fala que a felicidade vem de identificar e praticar suas virtudes. As virtudes são características no equilíbrio entre os extremos da deficiência e o excesso. A coragem por exemplo é o equilíbrio entre a covardia e a imprudência. A felicidade para Aristóteles é a vivência das suas forças e virtudes com plenitude e excelência. Onde excelência não quer dizer máxima performance, mas sim da melhor forma que você puder fazer com as condições que tem hoje.
Felicidade segundo uma óptica da psicologia
Na psicologia positiva, existe um modelo interessante que explica algumas dimensões relacionadas a felicidade, o modelo PERMA:
- Positive emotions (emoções positivas): sentir emoções positivas como alegria, gratidão e otimismo
- Engagement (engajamento, flow): estar absorvido por atividades que usem suas habilidades e o desafie
- Relationships (relacionamentos): ter e viver bons relacionamentos, com amigos, pais, irmão, cônjuges etc
- Meaning (sentido, significado): pertencer ou servir a algo que você acredita ser maior que você e que conecta com sua história de vida
- Accomplishments (realizações): conquistas, resultados, entregas, realização de sonhos
Quando a gente vê um modelo desses, a gente pode pensar "faz sentido!", ou então "é óbvio". Sim, faz sentido porque conversa com aquilo que há de humano na gente. Porém, não basta fazer sentido, precisa vivenciar!
Sabe a diferença entre a pessoa sábia e a pessoa intelectual? A pessoa intelectual consegue falar e explicar muito bem alguma coisa. A pessoa sábia incorpora e vive o conhecimento adquirido na prática.
A ideia de aprender esses vários modelos não é simplesmente adquirir conhecimento, mas sim refletir sobre como você se vê através dessas ópticas e fazer alguma mudança prática nas suas atitudes. Para ser feliz não basta mentalizar, tem que agir.
No meu caso, quando aprendi o modelo PERMA, refleti sobre o quanto eu vinha dando um peso maior na minha vida para a dimensão de "realizações" comparado com a de "relacionamentos". Depois dessa reflexão, fiz algumas mudanças práticas de atitudes na minha vida.
Convido você a refletir sobre isso também:
Quanto você coloca da sua energia em alcançar conquistas comparado com viver e nutrir relacionamentos?
Aprender de onde pode vir paz e felicidade duradouras
Tem uma pergunta boa que aprendi no curso do Khe Hy:
O que te trará paz e felicidade duradouras?
Será aquela promoção no trabalho? Ou o relacionamento com as pessoas que você ama?
Um estudo científico de Harvard feito ao longo de 75 anos explorou esse tema. A pergunta feita pelo estudo foi:
O que nos mantém saudáveis e felizes ao longo da vida?"
No TED Talk sobre esse estudo, o professor começa falando:
Em uma pesquisa recente com a geração do millennials, perguntaram a eles quais eram seus objetivos de vida mais importantes. Mais de 80% disseram que um dos principais objetivos de sua vida era enriquecer. Outros 50% deles disseram que outro objetivo importante na vida era se tornar famoso.
Porém, depois de 75 anos de estudo, eles descobriram que a resposta não seria riqueza, fama ou trabalhar cada vez mais. O que eles concluíram foi:
O que nos mantém saudáveis e felizes ao longo da vida? Bons relacionamentos nos mantêm mais felizes e saudáveis.
Mais uma vez, quando a gente lê sobre isso, pode parecer óbvio e fazer sentido. Alguém pode dizer: "isso eu já sabia!". Porém, lembra da diferença entre a pessoa intelectual e a pessoa sábia?
Como o sabático é um período de calma, ele é uma condição mais favorável para que você possa deliberadamente buscar ser mais sábio, não só mais intelectual. Ou seja, alinhar suas atitudes com seu conhecimento, para entre outras coisas, ter paz e felicidade duradouras.
Quando o sabático deve acabar?
Essa foi uma pergunta que fiz pra mim: "quando devo terminar o meu sabático?".
Uma das respostas mais diretas é quando acabar o dinheiro. Você se planejou e separou dinheiro para isso, mas uma hora ele acaba né. Você pode até fazer um pouco de "trabático" (trabalho + sabático), o que vai te ajudar a gerar um pouco de renda para estender o seu sabático. Isso pode aliviar um pouco a questão financeira, mas existem outros motivos também para terminar um sabático.
Lembra que sabático é um misto de período de calma, tédio e oportunidade? Se no seu sabático você está tendo tédio demais e calma e oportunidade de menos, talvez seja hora terminá-lo. Porém, atenção, porque o tédio é natural durante o sabático. E é dele que pode nascer uma espécie de "ócio reflexivo e criativo" que vai te ajudar a se desenvolver como pessoa de um modo diferente que aconteceria em uma rotina padrão.
Lembre que nós não fomos treinados para lidar com o tédio, fomos treinados para lidar com a "vida correria". Naturalmente nossa mente vai procurar coisas para se ocupar e direcionar sua atenção.
A ideia é conseguir identificar quando o sabático já não faz mais sentido para você, porque agora você desenvolveu novos sentidos. Mas se o sabático estiver desagradável porque está muito tedioso, não quer dizer que não faz mais sentido. Quer dizer apenas que você está com uma dificuldade natural de viver fora da sua zona de conforto.
E se a prática do sabático fosse um pouco mais próxima da regra do que da exceção?
Quantas pessoas você conhece que já fizeram um período sabático? Provavelmente nenhuma ou muito poucas. Apesar do sabático poder ser um período muito fértil em termos de desenvolvimento adulto, ele está mais para a exceção do que para a regra. Por que?
Claramente a questão financeira é um empecilho. É um grande e raro privilégio poder passar algumas semanas ou meses sem gerar renda e se sentir suficientemente seguro com isso.
Mas, pense nas pessoas que teriam condições financeiras de fazer um sabático... quantas fizeram? Eu arriscaria dizer que continuaria sendo nenhuma ou muito poucas. Partindo dessa premissa, a questão financeira não seria o fator determinante para uma baixa frequência de sabático.
Existe uma outra perspectiva para explicar isso: o sabático não faz parte do que entendemos como um curso de vida normal.
Porém o "normal" vem variando ao longo da história humana. Não estaria em tempo de variar mais um pouco o curso de vida "normal" da nossa sociedade?
Repensando o curso de vida
O relatório "Envelhecimento Ativo: Um Marco Político em Resposta à Revolução da Longevidade" fala um pouco sobre essa questão de mudanças no curso de vida padrão. A versão original desse estudo foi publicada em 2002 pela OMS (Organização Mundial da Saúde) com o objetivo de pensar como podemos viver melhor, não somente viver mais.
O relatório começa mostrando este curso de vida:
Esse curso de vida teria começado no final do século XIX, a partir da construção do sistema previdenciário de Bismarck, em 1889. O curso de vida era dividido em três fases distintas: aprender (estudar) um pouco, seguido de trabalhar bastante, seguido de se aposentar e viver um pouquinho mais até morrer. Esse era um tipo de curso de vida normativo e padronizado cronologicamente. Uma característica importante do contexto onde ele começou era que a expectativa de vida do homem ainda estava abaixo dos 40 anos.
Porém ao longo do século XX tivemos o que o relatório chama de "revolução da longevidade". Agora vivemos bem mais! No Brasil, vivemos 30 anos mais! A expectativa de vida no nosso país saiu de 45 anos em 1940, para 76 anos em 2019. Junto com outros fatores, esse aumento significativo de anos de vida levou a mudanças no curso de vida. Agora teríamos um curso de vida um pouco mais dinâmico, algo assim:
Ainda assim, dá para perceber dois grandes blocos relativamente uniformes nesse curso de vida, em amarelo e em azul. Trabalha, trabalha, trabalha. Se aposenta, se aposenta, se aposenta.
O relatório propõe que para o século XXI, devemos pensar em mudanças, em continuar evoluindo o curso de vida da nossa sociedade. Evoluir para algo mais dinâmico, mais variado e mais individualizado. Algo assim:
O relatório fala:
As pessoas irão aprender, cuidar, trabalhar e devotar tempo a atividades recreativas ao longo de toda a vida com muito menos atenção à idade cronológica. As instituições precisam se adaptar às transformações culturais inerentes à Revolução da Longevidade, mas também os indivíduos devem se preparar para esses anos adicionais de vida que irão requerer maior versatilidade. A Revolução da Longevidade tem impactos retroativos ao longo do curso de vida - além do simples fato de enfrentar uma velhice mais longa.
Se você olhar novamente a figura acima, vai perceber que tem um sabático nesse curso de vida, coisa que não tinha nos dois anteriores.
No TED talk do Alexandre Kalache, o médico e diretor por trás desse relatório, ele começa falando:
Vamos viver 30 anos a mais que nossos avós, e daí?
E daí que talvez seja o momento de repensar o curso de vida. Com uma vida bem mais longa que as gerações anteriores, é necessário repensar o modo como levamos a vida. Ela não vai acabar mais em 45 anos, ela vai levar em média 76 anos. Provavelmente ainda mais que isso, dependendo do seu contexto e história de vida.
Ainda assim, vivemos com pressa, como se a vida fosse acabar rápido. Talvez seja uma memória inconsciente que herdamos de gerações passadas. Talvez seja a supervalorização da produção, em detrimento da contemplação, do ócio e do lazer.
Mas temos mais tempo! Podemos ter mais calma. Como ouvi o professor Alexandre Kalache dizer:
Quanto mais cedo melhor, nunca é tarde demais.
Não deveríamos precisar viver uma vida longa como essa no piloto automático. Cada um de nós sabe hoje bem mais do que sabia 10 anos atrás. Porém, às vezes não temos a oportunidade, ou não criamos a oportunidade de refletir sobre esse aprendizado. E sem uma pausa para reflexão, fica mais difícil de conseguir ir além de se tornar mais intelectual.
O sabático pode te ajudar a se tornar mais sábio. Mais saudável. Mais feliz. Mais autêntico. Mais humano.
Na essência, o sabático é um período de descanso, regeneração e transformação. Ele não tem regras. Não precisa levar meses, você não precisa viajar, você não precisa parar de trabalhar totalmente. Você faz dele o que é, afinal, somos "máquinas" de criar sentido para as coisas.
Mesmo que seja apenas um final de semana, ou duas semanas das suas férias, é possível fazer um sabático. Mas esteja aberto e curioso para a mistura de tédio e calma que vai te dar a oportunidade de se transformar. E quem sabe, viver uma vida mais sábia em direção aos novos sentidos que você descobrir.
Agradeço às pessoas que me ajudaram a fazer com que esse texto pudesse expressar meus pensamentos de forma mais clara. Lucas Oliva, Camila Ferreira, Juliana Gomes, Raphael Albino e Janaína Kovacs.